domingo, 16 de dezembro de 2012

A Democracia que não Veio



"A democracia não está realizada, ele é uma idéia por vir"

Normalmente, aqueles que mais têm a palavra "democracia" na boca são os que, no fundo, menos acreditam nela. Eles se portam como defensores dos valores democráticos apenas para conservar desesperadamente as imperfeições que a versão atual da democracia é incapaz de superar. Na verdade, quando repetem que a democracia é o pior sistema, mas o único possivel, é porque amam suas distorções. Pois a única posição realmente fiel ao conteúdo de verdade da democracia consistiria em dizer : a democracia não está realizada, ela é uma ideia que está por vir.
Isto não significa que a realização imperfeita seja completamente falsa. A democracia por vir não é a negação simples, a recusa absoluta da democracia que temos atualmente. Mas ela é a mudança qualitativa de seus dispositivos e construção de novas dinâmicas de poder.
Podemos dar três razões que nos permitem compreender por que esta democracia por vir ainda não veio. Uma delas é a confusão deliberada entre o jurídico e político. A verdadeira democracia admite situações de dissociação entre o ordenamento jurídico e exigências de justiça que alimentam as lutas políticas. Esta dimensão extrajurídica própria á democracia nos lembra que há uma violência eminentemente política que sempre apareceu sob a forma de direito de resistência e do reconhecimento do caráter provisório das estruturas normativas do direito. A estabilidade institucional da democracia não significa a perenidade absoluta do ordenamento atual. Ela significa que a instabilidade da violência política, uma violência que não é a simples eliminação simbólica do outro, será reconhecida no interior mesmo das instituições sociais.
O segundo ponto é o medo atávico da participação popular direita. As estruturas representativas da democracia parlamentar foram criadas para suprir a impossibilidade material da presença física da população no processo de deliberação legislativa cotidiana. Hoje com o desenvolvimento tecnológico e com o advento das sociedades de alta conectividade, foram dadas as condições materiais para o ínicio de uma verdadeira democracia digital. Vários processos deliberativos podem passar para a esfera da deliberação plebiscistária.
O terceiro ponto diz respeito á relação de reconhecimento entre Estado e cidadão. Não é possivel pensar o campo da política sem o Estado. É ele que permite a implementação institucional da universalidade.  No entato vivemos em uma época de esgotamento do Estado-nação com suas exigências de conformação identitária e sua capacidade de gerir processos econômicos em sua fronteira. Este fim de Estado-nação pode dar lugar a dois fenômenos : o retorno paranoico e identidades profundamente ameaçadas ou o abandono da identidade como operador politico central. Isto significa não a anulação deliberada de toda e qualquer demada identitária, mas a construção de um espaço político de absoluta indiferença á implementação política de zonas de indiferença. Isto implica um estado capaz de socializar sujeitos em seu ponto de indeterminação. Ou seja, a função do estado não pode ser a determinação completa dos sujeitos através  da gestão de processos disciplinares de controle. Sua função é a gestão da indeterminação. Isto pode se dar , por exemplo, através da eliminação de aparatos jurídicos ligados á perpetuação de hábitos e costumes.
Por fim, não é possivel pensar problemas ligados á democracia sem pensar os riscos advindos da consolidação de grandes conglomerados globais de mídia. Eles têm tendência a monopolizar discussões sobre liberdade de expressão sem nunca discutir as redes de interesses enconômico - financeiros que permeiam tais conglomerados e direcionam sua expressão. Da mesma forma , eles tendem a não discutir como setores da opinião são, muitas vezes, marginalizados.

Valdimir Safatale - Colunista - Revista Cult - Ed.n 175- pág. 11